1993: Ano Internacional dos Povos Indígenas do Mundo

1995 / 2004: Primeira Década Internacional dos Povos Indígenas

2005 / 2014: Segunda Década Internacional dos Povos Indígenas

2019: Ano Internacional das Línguas Indígenas

2020: Ano Internacional da Saúde Vegetal


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Elicura, poeta mapuche: Prêmio Nacional de Literatura 2020

Elicura, poeta mapuche: Prêmio Nacional de Literatura 2020

 

 

Elicura Chihuailaf

(Crédito da foto: Graça Graúna)

 

Em meio a tantas notícias ruins que correm pelo mundo, sobretudo nesse tempo de pandemia; algo de muito positivo aconteceu no início de setembro de 2020. Até me atrevo a dizer, com licença poética, que o céu pareceu mais azul; um sonho azul com aroma primaveril e que nos leva à poesia mapuche.

Sim, um sonho azul do poeta Elicura Chihuailaf, o primeiro indígena mapuche vencedor do Prêmio Nacional de Literatura do Chile. Os jornais de vários países destacam a tradição oral e o universo poético e a cultura do povo mapuche que habitam nos livros de Elicura.

Em 2014, o III Caxiri na Cuia, isto é, um encontro de escritores e artistas indígenas coordenado por Daniel Munduruku e promovido pela Universidade de São Carlos (Ufscar), contou com a participação de Elicura, do escritor canadense Cash Ahenakew e de vários escritores e intelectuais e indígenas brasileiros. Esse evento realizou-se na Universdade de São Paulo (USP), onde foi lançado o livro “Sonho azul” de Elicura; numa edição alternativa compartilhada com os parentes indígenas que participaran do referido evento.  


Edição alternativa do livro "Sonho azul"


Esse livro foi traduzido em português por Patrícia de Moura Leite, e encadernado em folhas de papel sulfite azul, junto ao Grupo de Pesquisa LEETRA, da Universidade de São Carlos (Ufscar). O título do livro do parente mapuche é também o nome do poema (Sonho azul), do qual apresentamos o fragmento que seque:

 

A casa Azul em que nasci está

situada em uma colina

rodeada de hualles*, um salgueiro

nogueiras, castanheiras

um aroma primaveril no inverno

_ um sol com a doçura do mel  de ulmos _

chilcos rodeados a sua vez de beija-flores

que não sabíamos se eram reais

ou visões: Tão efêmeros!

No inverno sentimos cair os carvalhos

partidos pelos raios

Nos entardeceres saímos, abaixo de chuva

ou ao redor, a buscar as ovelhas

(às vezes tivemos que chorar

a morte de algumas delas

navegando sobre águas)

 

Pela noite ouvimos os cantos

contos e adivinhanças

à beira do fogão

respirando o aroma do pão

modelado pela minha avó

minha mãe e tia Maria

enquanto meu pai e meu avô

_ Lonko/Chefe da comunidade_

observavam com atenção e respeito.



 *hualles, aroma, chilcos: árvores



Acerca da premiação de Elicura, cabe sublinhar as palavras de Consuelo Valdés, Ministra da Cultura do Chile. Conforme o Correio Popular (https://correio.rac.com.br/), a Ministra Valdés ao anunciar o prêmio enfatizou a capacidade do poeta mapuche:

 

[por] instalar a tradição oral de seu povo em uma escrita poderosa que transcende a escrita mapuche [...] valendo-se de uma expressão muito própria, ele tem contribuído de forma determinada para difundir seu universo poético pelo mundo, ampliando a voz de seus ancestrais da contemporaneidade

 

 

Segundo o Correio Popular (https://correio.rac.com.br/ ), o poeta Elicura faz parte do grupo de escritores que surgiu após o golpe de Augusto Pinochet em 1973, uma geração marcada pelo exílio.

Os noticiários mostram que os textos de Elicura são originalmente redigidos em castelhano e mapudungun (língua mapuche), e traduzidos para dezenas de línguas, nos quais também se destaca o apelo à conversa como única forma de entendimento com os povos indígenas.


Escritores indígenas
No sentido horário:  Edson Krenak, Cash Ahenakew, Elicura e Graça Graúna
(Acervo de Graça Graúna)


A poética de Elicura denuncia a sua condição de indígena exilado. Na entrevista ao site "Crítica.Cl", o parente mapuche comenta que apesar do deslocamento, a poesia revela que a cada dia ele “aprende a apreciar o que significa habitar no meio de uma diversidade tanto na natureza quanto entre os homens”.

 

Ameríndia, 10 de setembro de 2020

Graça Graúna

(mulher indígena potiguara/RN)

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Poesia indígena hoje: resiliência

 

Crédito: p-o-e-s-i-a.org

A Revista p-o-e-s-i-a (n. 1, agosto de 2020), com o tema “Poesia indígena hoje”, conta com a participação voluntária de poetas dos povos originários no Brasil. No editorial, Beatriz Azevedo ressalta que por se tratar de uma primeira edição, a Revista traz um olhar amplo sobre a poesia escrita por autoras e autores indígenas contemporâneos, que escrevem em português e expressam acerca da “sua cultura e o choque com a sociedade brasileira”.

 

Na apresentação da Revista, Julie Dorrico (makuxi) comenta, entre outros aspectos, que a literatura “na voz e letra dos sujeitos e povos indígenas, emerge do rio, irrompe da floresta para se fazer livro, livre [...] para, enfim, ser o que sempre foi, autoral”. A poeta homenageada é a potiguara Eliane. Sobre a literatura indígena, ela enfatiza que: “do estágio oral ela [a literatura] saltita pelas letras escritas na estratégia da vivificação das histórias de vida dos ancestrais, clama por sobrevivência e justiça dos direitos autorais” (P-O-E-S-I-A, n.1, 2020, p. 26).

 

O conjunto de ensaios intitulado “Sementes” conta com a participação de Daniel Munduruku, Fernanda Vieira (xocó/SE), Geni Ñunez (guarani), Jaider Esbell (makuxi), Kaka Werá (Tapuia) e Maria Elis Nunc-Nfôonro (xokleng). Entre os ensaios, tomo a liberdade de sublinhar o pensamento de Fernanda Vieira (P-O-E-S-I-A, n.1, 2020, p. 67), ao expor corajosamente o sentimento que muitos/as indígenas ao viver na cidade, também sentem:

 

A literatura me salvou do abismo silencioso da minha identidade interrompida, das muitas dificuldades de uma infância suburbana, da raiva que fervilha no meu sujeito subalternizado imerso na colonialidade, salvou da minha impossibilidade de dividir minhas angústias com os que me cercavam. Muitas rupturas na minha identidade – em permanente re(des)construção – foram preenchidas pela literatura.

 

O grupo de poetas/poemas recebe o nome de “Cardumes poéticos” e conta com a participação de: Ailton Krenak, Aline Pachamama (puri), Auritha Tabajara, Ãtekáy (pataxó), Eliane Potiguara, Edson Krenak, Graça Graúna (potiguara/RN), Gustavo Caboco (wapichana), Ian Wapichana, Itayná Ranny Tuxá, Jamile Nunes (parintintim), Juliana Kerexu (guarani), Julie Dorrico (makuxi), Marcia Mura, Marcia Kambeba, Olivio Jecupé (guarani), Renata Machado (Tupinambá), Tiago Hakiy (mawé), Yaguaré Yamã (sateré-mawé) e Zélia Balbina (puri).

A minha intuição diz que o fazer parte de um cardume poético implica um estágio de resiliência, pois não está fácil e nunca foi fácil atravessar os tempos sombrios. Mas a poesia vence o tempo, ainda que os fantasmas não nos deixem dormir, como sugere o ser poeta-xamã em “Suspiro de Gaia”, de Ailton Krenak (P-O-E-S-I-A, n.1, 2020, p. 83):

 

Está difícil dormir com tanto fantasma

ao redor

Corpos abandonados em pavilhões

Espíritos de luz projetam raios paralisantes.

A Terra balança levemente os cabelos

devolve no cosmos fagulhas de estrelas

 

 

Ameríndia, 5 de setembro de 2020

Graça Graúna

(mulher indígena potiguara/RN)

 

 

Para saber mais:

 

P-O-E-S-I-A é um projeto colaborativo de poetas, leitores, professores e apoiadores da cultura para o fortalecimento da poesia brasileira. 

Através de um financiamento coletivo, o projeto já está realizando algumas ações, como a concessão de bolsas para poetas em situação de vulnerabilidade e a criação do portal da poesia brasileira que abriga a revista P-O-E-S-I-A.

A viabilidade e manutenção dessas e outras ações depende diretamente do valor arrecadado.  

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