15º SALÃO DA FNLIJ
Rio de Janeiro, junho/2013
X ENCONTRO DE ESCRITORES E
ARTISTAS INDÍGENAS
Escrevivendo a literatura indígena
Graça Graúna (Povo Potiguara/RN)
A troca de conhecimentos nos une e não
poderia ser diferente, considerando que esta é uma das características
marcantes do Encontro de Escritores e Artistas Indígenas[1] que, em 2013, completa a sua
10ª edição. A cada ano que passa, os desafios se
multiplicam; ainda que pareça estranho ao outro que a nossa ligação com a
ancestralidade nos autoriza ser chamados(as) de parentes; de filhos(as)as da
Mãe Natureza, herdeiros(as) da nossa tão sofrida e amada Mãe Terra.
Aos poucos, vamos saindo da
invisibilidade apesar dos incrédulos fingirem em não saber o que já sabem: que
estamos em cada esquina; que estamos sobrevivendo da nossa arte e que apesar
das barreiras nos valemos do toré, entre outros rituais sagrados.
Quem quiser ver que veja: a nossa
literatura é fruto da nossa experiência com o barro, com as ervas, com as
sementes, com as folhas das palmeiras, com os cantares e com os lamentos também
do mundo animal; a nossa literatura é fruto da nossa vivência com o espírito
vigilante/protetor das matas; a nossa literatura é fruto também da nossa
sofreguidão oriunda das árvores decepadas pela serra elétrica e das aldeias destroçadas
pelo agronegócio.
A nossa literatura é de paz, embora seja também
espaço para denunciar a galopante violência contra os povos indígenas. Porque a
nossa palavra sempre existiu, a nossa literatura tem tudo a ver com
resistência. Então, quem quiser ouvir
que ouça também o canto dos guerreiros e das guerreiras; o som dos tambores; a
voz do vento em sintonia com o voo dos pássaros, o som das águas, o ritmo dos maracás
e das marés; o ritmo dos nossos passos na direção do horizonte, como sugere a
temática desse Encontro.
Das metamorfoses, quem quiser ver
que veja que somos uma parte dos 250
povos indígenas falantes de pelo menos 180 línguas neste Brasil de tantas
diversidades. Porque fazemos parte dessa diversidade é que estamos aqui,
vivenciando com a alma da palavra os dez anos do
Movimento Indígena no campo da Educação e das Artes (Cinema, Literatura,
Música, Dança, Teatro, Filosofia, Astronomia, Pintura entre outros saberes). Estamos cientes de que por meio da sabedoria ancestral,
subvertemos o discurso dominante.
Porque somos um em muitos, estamos
aqui, em meio as grandes transformações, confiantes de que sonhando juntos, os
nossos sonhos se tornem realidade.
Estamos atentos aos horizontes, como sugere o tema da programação
referente ao X Encontro. Qualquer que seja o espaço e o tempo em que os
saberes indígenas se manifestem, esses saberes revelam sua estreita relação com
a vida que se vive na aldeia ou na cidade grande a cada dia; seja no meio
acadêmico ou na educação do campo.
O espaço e o tempo indígenas podem se revelar também por meio da oralidade e da escrita
sobre o mergulho nas águas mansas de um igarapé; sobre as andanças e danças de
amor e guerra que aprendemos a lidar desde a infância ou nos surpreender também
com a barra do dia que norteia a nosso jeito de ser e de viver, pois a ciência indígena
ensina que fazemos parte da grande teia da vida como afirmam as nossas sábias anciãs
e os nossos velhos sábios.
Nessa travessia, somos um e muitos
juntos; gerando metamorfoses, buscando horizontes para construir e reconstruir a
história, a memória e tudo o que nos foi arrancado ao longo dos mais de 500
anos. Das rodas de conversa surgem os Encontros de Literatura Indígena (em
verso ou em prosa); a cada encontro com a palavra indígena, mostramos a nossa luta
pela autonomia. A nossa vivência com a palavra indígena sempre existiu. Assim, em
meio a essa metamorfose e na condição de integrante da construção dessa
literatura, peço licença para intuir o que me vem da imensa floresta de saberes
e reiterar que somos um em muitos, como quer a poesia:
I
Na travessia:
amassar o barro
dar tempo ao tempo
curar a panela
beber do pote
a água da chuva
e repartir
o que vem da fonte
o que vem da terra
e as oferendas do mar
Na travessia:
amassar o barro
dar tempo ao tempo
curar a panela
beber do pote
a água da chuva
e repartir
o que vem da fonte
o que vem da terra
e as oferendas do mar
II
No caminho de volta
no pé da Serra do Mar
vislumbro uma árvore curvada pelo tempo
suas raízes abraçam a terra
e seguem o curso natural das águas
onde mil pássaros alimentam
seu eterno canto
No caminho de volta
no pé da Serra do Mar
vislumbro uma árvore curvada pelo tempo
suas raízes abraçam a terra
e seguem o curso natural das águas
onde mil pássaros alimentam
seu eterno canto
III
Na travessia, só escuto
e vou tecendo o colar
em meio à saudade
da minha aldeia
(*) Graça Graúna (povo Potyguara/RN), poema escrito em abril de 2012
Contato: grauna3@gmail.com
[1]
Com o apoio da Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), da Fundação C&A, do Instituto Brasileiro
de Propriedade Intelectual Indígena (Inbrapi), do Núcleo de Escritores e
Artistas Indígenas (Nearin), da Casa dos
saberes ancestrais (UKA) e de instituições de ensino (púbico e particular,
do fundamental ao superior) a cidade do Rio de Janeiro é palco do XV Salão do
Livro Infantil e Juvenil que acolhe o 10º
Encontro de Escritores e Artistas Indígenas, em 12 de junho de
2013.