1993: Ano Internacional dos Povos Indígenas do Mundo

1995 / 2004: Primeira Década Internacional dos Povos Indígenas

2005 / 2014: Segunda Década Internacional dos Povos Indígenas

2019: Ano Internacional das Línguas Indígenas

2020: Ano Internacional da Saúde Vegetal


quinta-feira, 18 de julho de 2013

Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil à presidenta da República Dilma Rousseff

Lideranças indígenas com a Presidenta Dilma
Imagem: Blog do Planalto


Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil à presidenta da República Dilma Rousseff

À
Excelentíssima Senhora
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Brasília-DF

Estimada Presidenta:

Nós lideranças indígenas de distintos povos e organizações indígenas das diferentes regiões do Brasil, reunidos nesta histórica ocasião com a vossa excelência no Palácio de Governo, mesmo em número reduzido, mas o suficientemente informados e profundamente conhecedores, mais do que ninguém, dos problemas,  sofrimentos, necessidades e aspirações dos nossos povos e comunidades, viemos por este meio manifestar, depois de tão longa espera,  as seguintes considerações e reivindicações, que esperamos sejam atendidas pelo seu governo como início da superação da dívida social do Estado brasileiro para conosco, após séculos de interminável colonização, marcados por políticas e práticas de violência, extermínio, esbulho, racismo, preconceitos e discriminações.

Estamos aqui, uma pequena mas expressiva manifestação da diversidade étnica e cultural do país, conformada por 305 povos indígenas diferentes falantes de 274 línguas distintas com uma população aproximada de 900 mil habitantes conforme dados do IBGE. E em nome desses povos que:

- Reiteramos o nosso rechaço à acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país numa total desconsideração da nossa contribuição na formação do Estado Nacional brasileiro, na preservação de um patrimônio natural e sociocultural invejável, inclusive das atuais fronteiras do Brasil, das quais os nossos ancestrais foram guardiães natos. Contrariamente aos que nos acusam de ameaçarmos a unidade e integridade territorial e a soberania do nosso país.

- Repudiamos toda a série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que buscam destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças que nos antecederam, durante o período da constituinte.

- Somos totalmente contrários a quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras indígenas atualmente patrocinados por setores de seu governo, principalmente a Casa Civil e Advocacia Geral da União (AGU), visando atender a pressão e interesses dos inimigos históricos dos nossos povos, invasores dos nossos territórios, hoje expressivamente representados pelo agronegócio, a bancada ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras, entre outros.

- Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, por meio de iniciativas legislativas
que poderão condenar os nossos povos a situações de indesejável miséria, etnocídio e conflitos imprevisíveis como já se verifica em todas as regiões do país, principalmente nos estados do Sul  e no Estado de Mato Grosso do Sul.

- Rechaçamos a forma como o governo quer viabilizar o modelo de desenvolvimento priorizado, implantando a qualquer custo, nos nossos territórios, obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão, desrespeitando a nossa visão de mundo, a nossa forma peculiar de nos relacionar com a Mãe Natureza, os nossos direitos originários e fundamentais, assegurados pela Carta Magna, a Convenção 169 e a Declaração da ONU.

Reivindicações

Diante deste manifesto, expressamos as seguintes reivindicações:

1. A incidência do governo junto a sua base para o arquivamento das Propostas de Emendas à Constituição (PEC) 038 e 215 que pretendem transferir para o Senado e Congresso Nacional respectivamente a competência de demarcar as terras indígenas, usurpando uma prerrogativa constitucional do Poder Executivo.

2. Reivindicamos o mesmo procedimento para a PEC 237/13 que visa legalizar o arrendamento das nossas terras, do PL 1610/96 de Mineração em Terras Indígenas, do PL 227/12 que modifica a demarcação de terras indígenas, entre outras tantas iniciativas que pretendem reverter os nossos direitos constitucionais.

3. O Governo deve fortalecer e dar todas as condições necessárias para que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) cumpra devidamente o seu papel na Demarcação, proteção e vigilância de todas as terras indígenas, cujo passivo ainda é imenso em todas as regiões do país, mesmo na Amazônia onde supostamente o problema já teria sido resolvido. Não admitimos que a FUNAI seja desqualificada nem que a Embrapa, Ministério da Agricultura e outros órgãos, desconhecedores da questão indígena, venham a avaliar e supostamente contribuir nos estudos antropológicos realizados pelo órgão, só para atender interesses políticos e econômicos, como fizera o  último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.

4. Para a demarcação de terras indígenas propomos a criação de um Grupo de Trabalho, com participação dos povos e organizações indígenas no âmbito do Ministério da Justiça e da Funai para fazer um mapeamento, definição de prioridades e metas concretas de demarcação.

5. Não aceitamos a proposta de criação de uma Secretaria que reúna a FUNAI com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prejudicando o papel diferenciado de cada órgão.

6. Exigimos a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades:

6.1. Portaria 303, de 17 de julho de 2012, iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU) que estende equivocadamente a aplicação para todas as terras a aplicabilidade das condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388/RR), que ainda não transitou em julgado.

6.2. Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, sendo que o Decreto 1.775/96 já estabelece o direito do contraditório.

6.3. Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas.

6.4. Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

7. Reivindicamos também do Governo Brasileiro políticas públicas especificas, efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas.

- Na saúde, efetivação da Secretaria Especial de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, para a superação dos distintos problemas de gestão, falta de profissionais, de concurso específico para indígenas, plano de cargos e salários, de assistência básica nas aldeias, entre outros.

- Na Educação, que a legislação que garante a educação específica e diferenciada seja respeitada e implementada, com recursos suficientes para tal e que seja aplicada imediatamente da Lei 11.645, que trata da obrigatoriedade do ensino da diversidade nas escolas.

- Na área da sustentabilidade, instalação do Comitê Gestor da PNGATI e de outros programas específico para os nossos povos, com orçamento próprio.

- Para a normatização, articulação, fiscalização e implementação de outras políticas que nos afetam, criação imediata do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), cujo Projeto de Lei (3571/08) não foi até hoje aprovado na Câmara dos Deputados.

8. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), relacionados com a tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso Nacional.

9. Considerando que esta reunião com a Vossa Excelência acontece no contexto de muitos outros protestos pelo país inteiro, manifestamos a nossa solidariedade a outras lutas e causas sociais e populares que almejam como nós um país diferente, plural e realmente justo e democrático. Pela também regularização e proteção das terras quilombolas, territórios pesqueiros e de outras comunidades tradicionais, e pela não urgência do PL do novo marco regulatório da mineração, para assegurar a participação da sociedade civil na discussão deste tema tão estratégico e delicado para a nação brasileira.

10. Reafirmamos por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, mas também reiteramos a nossa disposição para o diálogo aberto, franco e sincero, em defesa dos nossos territórios e da Mãe Natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações, em torno de um Plano de Governo para os povos indígenas, com prioridades s e metas concretas consensuadas conosco.

11. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, lideranças, povos e organizações, e aliados de todas as partes, para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.

Brasília-DF, 10 de julho de 2013.

APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL


Dilma recebe lideres indígenas mas...


Compartilhando algumas notícias do 1º encontro entre  Lideranças Indígenas e a Presidenta



Dilma recebe lideres indígenas mas...

17.07.2013 | Fonte de informações: 

 Pravda.ru

 
Dilma recebe lideres indígenas mas.... 18540.jpeg

Esta notícia está associada ao Programa: 

Dilma Rousseff recebeu pela primeira vez lideranças indígenas. Participantes avaliaram a reunião como positiva, mas, no Congresso, manobra regimental pode implicar retrocesso histórico para direitos territoriais
Dilma Rousseff recebeu, ontem (10/7), pela primeira vez, lideranças indígenas. Os participantes avaliaram a reunião como positiva e a presidenta pontuou posições sobre questões importantes, embora sua fala tenha sido, segundo relatos, genérica e inconclusiva em alguns momentos.
Apesar do tom ameno da conversa no Planalto, horas antes o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), aceitou colocar em votação no plenário um requerimento de urgência para a apreciação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012, que, se aprovado, colocará em xeque os direitos dos índios sobre suas terras.
O acordo foi referendado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Assim, ele quebrou outro entendimento, fechado com lideranças indígenas, em abril, para criar um grupo de trabalho para discutir projetos que alteram o processo de demarcação das Terras Indígenas (TIs) (saiba mais).
Os líderes do PT, PSOL, PV e PCdoB não teriam aceitado o acordo. O requerimento só não foi votado porque PSOL e PV ameaçaram obstruir a discussão do projeto sobre a destinação dos royalties do petróleo. O requerimento continua na pauta do plenário e pode ser apreciado a qualquer momento. Se aprovado, levará o PLP da Comissão de Agricultura direto ao plenário sem ser discutido por outras comissões.
Reunião no Planalto
Durante a reunião com 20 lideranças de todo País, Dilma disse que não vai abrir mão de mudar os procedimentos das demarcações, incluindo outros órgãos, além da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério da Justiça (MJ), na análise dos processos. As alterações atendem pressões ruralistas.
A presidenta anunciou, porém, a criação de uma "mesa de negociação" para discutir o assunto e outras questões indígenas, como projetos em tramitação no Congresso e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (saiba mais). A princípio, o grupo deve ser instalado no início de agosto e vai contar com a participação dos índios, Funai, MJ e Secretaria Geral da Presidência.
"O que dissemos é que não aceitamos as mudanças nos procedimentos demarcatórios", informou Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). "Reafirmamos que queremos manter esse diálogo, que hoje, para nós, esse foi o início de um processo de um diálogo mais permanente e continuado" (veja carta entregue a presidenta pelos indígenas e também a entregue por Davi Yanomami).
Na reunião, as lideranças indígenas criticaram a inclusão da urgência para o PLP 227 na pauta de votação do plenário da Câmara e as políticas de saúde e educação indígenas.
De acordo com Sônia, a presidenta disse que "o governo vai intervir junto aos parlamentares de sua base aliada" para que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 não seja aprovada. O projeto dá ao Congresso a atribuição, hoje do governo, das demarcações.
Depois da reunião, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que a proposta de mudança nesses procedimentos só será apresentada depois que os índios forem ouvidos e que o governo não pretende alterar o Decreto 1.775/1996, que regulamenta o processo.
O ministro assegurou que não há suspensão formal das demarcações em nenhum estado. Em maio, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anunciou que pediria a Cardozo a paralisação dos processos no Paraná, onde é pré-candidata ao governo (saiba mais).
"Nós dissemos que não concordamos com a instalação de empreendimentos de infraestrutura em TIs sem o consentimento livre, prévio e informado. Ela [Dilma] respondeu que, 'em alguns casos, vamos andar juntos, mas em outros vamos continuar divergindo'", comentou Sônia Guajajara (ouça entrevista completa).
O encontro com os indígenas faz parte da rodada de reuniões de Dilma com os movimentos sociais iniciada depois que seus índices de popularidade despencaram, após três semanas de protestos em todo País.
Enquanto isso, no Congresso...
O PLP 227 pretende regulamentar as situações em que áreas e empreendimentos dentro de TIs podem ser considerados de "relevante interesse público da União".
Nesses casos, segundo a proposta, o governo poderia anular os direitos dos índios, sobre parte de suas terras, onde existam áreas tituladas e ocupações não indígenas (em 5/10/1988), assentamentos de reforma agrária, núcleos urbanos, mineração, hidrelétricas, obras de infraestrutura, instalações militares e em faixas de fronteira (veja texto do substitutivo).
Trata-se de um cenário de terra arrasada para os direitos indígenas em que outras propostas de mudanças nos procedimentos de demarcação perderiam importância, já que, nele, o Estado teria um poder hipertrofiado de intervir unilateralmente nas TIs, abrindo-as a interesses econômicos diversos.
O PLP é de autoria do deputado Homero Pereira (PSD-MT). O substitutivo ao texto original, aprovado ontem mesmo na Comissão de Agricultura, é de Moreira Mendes (PSD-RO). Os dois estão entre os principais líderes ruralistas.
A assessoria da liderança do governo informou que Chinaglia teve de ceder às pressões para colocar em votação o regime de urgência em um processo mais "amplo de negociação" de vários outros projetos, mas não quis especificar quais seriam eles. A assessoria garante que o governo não se comprometeu em aprovar o PLP.
Fontes do governo e do PT, no entanto, afirmam que Hoffmann teria articulado a manobra para acelerar a aprovação do projeto. A ausência da ministra na reunião com os índios no Planalto chamou atenção. Ela é uma das principais articuladoras de Dilma.
Para as organizações indígenas a atuação da ministra coloca um ponto de interrogação sobre até que ponto o Planalto pretende, de fato, dialogar e defender os direitos dos índios no Congresso.
"Temos muitas críticas ao texto da forma que ele foi apresentado no Congresso", afirmou Cardozo. Ele informou que já está negociando com as lideranças parlamentares um texto alternativo.
Oswaldo Braga de Souza
ISA
http://www.dgabc.com.br/Noticia/469428/real-supera-united-e-e-o-clube-mais-valioso-do-mundo?referencia=simples-titulo-home

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Escrevivendo a literatura indígena


15º SALÃO DA FNLIJ
Rio de Janeiro, junho/2013
X ENCONTRO DE ESCRITORES E ARTISTAS INDÍGENAS


Escrevivendo a literatura indígena

Graça Graúna (Povo Potiguara/RN)


          A troca de conhecimentos nos une e não poderia ser diferente, considerando que esta é uma das características marcantes do Encontro  de Escritores e Artistas Indígenas[1] que, em  2013, completa a sua 10ª edição.  A cada ano que passa, os desafios se multiplicam; ainda que pareça estranho ao outro que a nossa ligação com a ancestralidade nos autoriza ser chamados(as) de parentes; de filhos(as)as da Mãe Natureza, herdeiros(as) da nossa tão sofrida e amada Mãe Terra. 

          Aos poucos, vamos saindo da invisibilidade apesar dos incrédulos fingirem em não saber o que já sabem: que estamos em cada esquina; que estamos sobrevivendo da nossa arte e que apesar das barreiras nos valemos do toré, entre outros rituais sagrados.

          Quem quiser ver que veja: a nossa literatura é fruto da nossa experiência com o barro, com as ervas, com as sementes, com as folhas das palmeiras, com os cantares e com os lamentos também do mundo animal; a nossa literatura é fruto da nossa vivência com o espírito vigilante/protetor das matas; a nossa literatura é fruto também da nossa sofreguidão oriunda das árvores decepadas pela serra elétrica e das aldeias destroçadas pelo agronegócio.

           A nossa literatura é de paz, embora seja também espaço para denunciar a galopante violência contra os povos indígenas. Porque a nossa palavra sempre existiu, a nossa literatura tem tudo a ver com resistência.  Então, quem quiser ouvir que ouça também o canto dos guerreiros e das guerreiras; o som dos tambores; a voz do vento em sintonia com o voo dos pássaros, o som das águas, o ritmo dos maracás e das marés; o ritmo dos nossos passos na direção do horizonte, como sugere a temática desse Encontro.

          Das metamorfoses, quem quiser ver que veja que somos uma parte dos 250 povos indígenas falantes de pelo menos 180 línguas neste Brasil de tantas diversidades. Porque fazemos parte dessa diversidade é que estamos aqui, vivenciando com a alma da palavra os dez anos do Movimento Indígena no campo da Educação e das Artes (Cinema, Literatura, Música, Dança, Teatro, Filosofia, Astronomia, Pintura  entre outros saberes).  Estamos cientes de que por meio da sabedoria ancestral, subvertemos o discurso dominante. 

          Porque somos um em muitos, estamos aqui, em meio as grandes transformações, confiantes de que sonhando juntos, os nossos sonhos se tornem realidade.  Estamos atentos aos horizontes, como sugere o tema da programação referente ao X Encontro. Qualquer que seja o espaço e o tempo em que os saberes indígenas se manifestem, esses saberes revelam sua estreita relação com a vida que se vive na aldeia ou na cidade grande a cada dia; seja no meio acadêmico ou na educação do campo.

          O espaço e o tempo indígenas  podem se revelar  também por meio da oralidade e da escrita sobre o mergulho nas águas mansas de um igarapé; sobre as andanças e danças de amor e guerra que aprendemos a lidar desde a infância ou nos surpreender também com a barra do dia que norteia a nosso jeito de ser e de viver, pois a ciência indígena ensina que fazemos parte da grande teia da vida como afirmam as nossas sábias anciãs e os nossos velhos sábios.

          Nessa travessia, somos um e muitos juntos; gerando metamorfoses, buscando horizontes para construir e reconstruir a história, a memória e tudo o que nos foi arrancado ao longo dos mais de 500 anos. Das rodas de conversa surgem os Encontros de Literatura Indígena (em verso ou em prosa); a cada encontro com a palavra indígena, mostramos a nossa luta pela autonomia. A nossa vivência com a palavra indígena sempre existiu. Assim, em meio a essa metamorfose e na condição de integrante da construção dessa literatura, peço licença para intuir o que me vem da imensa floresta de saberes e reiterar que somos um em muitos, como quer a poesia:


 Um e muitos juntos (*)

I
Na travessia:
amassar o barro
dar tempo ao tempo
curar a panela
beber do pote
a água da chuva
e repartir
o que vem da fonte
o que vem da terra
e as oferendas do mar

II
No caminho de volta
no pé da Serra do Mar
vislumbro uma árvore curvada pelo tempo
suas raízes abraçam a terra
e seguem o curso natural das águas
onde mil pássaros alimentam 
seu eterno canto

III
Na travessia, só escuto
e vou tecendo o colar
em meio à saudade
da minha aldeia

(*) Graça Graúna (povo Potyguara/RN), poema escrito em abril de 2012

Contato: grauna3@gmail.com





[1] Com o apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), da Fundação C&A, do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual Indígena (Inbrapi), do Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas (Nearin),  da Casa dos saberes ancestrais (UKA)  e de  instituições de ensino (púbico e particular, do fundamental ao superior) a cidade do Rio de Janeiro é palco do XV Salão do Livro Infantil e Juvenil que acolhe o 10º  Encontro de Escritores e Artistas Indígenas, em 12 de junho de 2013. 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Escritores indígenas: buscando horizontes, gerando metamorfoses


          O 10º  Encontro de Escritores e Artistas Indígenas, com apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, da Fundação C&A e as instituições de ensino (púbica e/ou particular, do fundamental ao ensino superior) acontecerá em junho próximo. A troca de conhecimento acerca da literatura e outras artes indígenas de diferentes etnias é uma das características marcantes do encontro. Para saber mais da programação desse encontro, vale conferir:



   

sábado, 20 de abril de 2013

A arte literária dos indígenas



Por Rachel Bertol | Para o Valor, do Rio


Daniel Munduruku, autor de 43 títulos: "Sou escritor por vingança"

Escritor indígena? Literatura indígena? É comum ler reportagens sobre índios no Dia do Índio e, embora os brasileiros já comecem aos poucos a se acostumar com a atuação dos novos intelectuais indígenas - militantes das próprias causas -, pouco ainda se ouve falar dos "escritores indígenas". E muita gente também estranha: literatura indígena? "Sou escritor por vingança. Como fui obrigado a ir para o colégio, aprendi a escrever e me tornei escritor", diz Daniel Munduruku, autor de 43 títulos (a maior parte para crianças), que terá este como um ano de comemorações.
O Encontro de Escritores e Artistas Indígenas, do qual foi um dos criadores com o apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), está celebrando uma década. A edição comemorativa será realizada em junho, no Salão do Livro para Crianças e Jovens, no Rio. Dessa edição vão participar 25 indígenas e será lançada uma antologia com textos inéditos de 14 escritores para o público adulto (Munduruku vai escrever uma crônica sobre o espanto das pessoas quando veem o índio usando paletó e cocar). Além dele, participam, entre outros, Cristino Wapichana, Olívio Jekupé, Graça Graúna, Manuel Moura Tucano, Rony Wasiry, Yaguarê Yamã - este último teve títulos selecionados para o catálogo internacional da FNLIJ de 2013, apresentado no mês passado na Feira do Livro para Crianças de Bolonha (a maior parte dos autores indígenas atua no segmento de livros infantis). No encontro, também se planeja uma exposição e serão realizadas oficinas artísticas com educadores, além das atividades com crianças.
Mas nessa edição haverá outra importante comemoração para Munduruku: os dez anos do lançamento de seu livro "Meu Vô Apolinário" (Studio Nobel), que conta a dificuldade de uma criança indígena de aceitar sua condição. O livro ganhou o Prêmio de Tolerância da ONU e foi decisivo para estimular outros indígenas a escrever.
No entanto, se o movimento dos autores indígenas é novo no Brasil - um movimento do século XXI -, Munduruku diz que não são autores novos: as histórias de que tratam remetem a mitos de um tempo em que gente e bicho viviam como homem e mulher, conversavam de igual para igual. Para aceitar esse movimento como plenamente literário, torna-se necessário, portanto, aceitar que essas histórias de outros tempos - transmitidas em cantos e narrativas orais, muitas colhidas por antropólogos e viajantes ou ouvidas pelos indígenas diretamente em suas aldeias - também sejam reconhecidas, e conhecidas, como expressões literárias.
Sérgio Cohn, editor da Azougue, acaba de dar um importante passo nesse sentido, com o lançamento de "Poesia.br", caixa com dez livros no qual faz uma coletânea de poetas brasileiros da contemporaneidade até os tempos da colônia e mais além, com uma seleta que intitulou "Cantos Ameríndios". São cantos de diferentes povos indígenas - bororo, caxinauá, marubo, embiá-guarani, maxacali - publicados apenas em português sem notas de rodapé ou explicações acadêmicas. Para realizar o trabalho, contou com a colaboração de pesquisadores acadêmicos.
Na semana passada, no lançamento do "Poesia.br" em São Paulo, a leitura dos cantos ameríndios por uma atriz foi o momento que mais emocionou o público. "Acho que tem um interesse e eu tenho a impressão de que as pessoas estranhavam muito mais antigamente", conta o editor, que, mesmo assim, ainda sente certa resistência. "Eu quero que esses cantos tenham validade por si, assim como um poema de Gonçalves Dias, João Cabral ou Drummond", afirma. Por isso, a opção de não colocar explicações, que considera desnecessárias quando o objetivo é despertar o encantamento do leitor.
Outro lançamento que reforça essa tendência é "La Poésie du Brésil" (Éditions Chandeigne), publicado no fim do ano na França. Organizada pelo franco-brasileiro Max de Carvalho, a antologia é das mais completas já lançadas no exterior com a poesia brasileira e começa com o capítulo "Les Immémoriaux" (Os imemoriais), reunindo narrativas míticas, cantos de amor e cantos xamânicos de diferentes povos indígenas.
"Quem ainda recusa à poesia indígena o status de literatura deveria se perguntar o que entende por uma e outra. A poesia dos ameríndios da América do Norte, oral, dançada, xamânica, influenciou diretamente os maiores poetas americanos da segunda metade do século XX, de Bob Creeley a Charles Olson, passando por Zukowski e sobretudo Jerome Rothenberg. Introduzir os cantos imemoriais na poesia nacional é uma subversão necessária em relação a uma visão esclerosada", defende Carvalho.
Cohn lembra na introdução de "Cantos Ameríndios" que os escritos indígenas tocam em questões importantes para a poesia contemporânea, como "o esboroamento da autoria e das fronteiras das expressões artísticas" e "a presença da performance".
Os textos indígenas, porém, ainda provocam bastante perplexidade, haja vista a reação ao livro "Meu Destino É Ser Onça" (Record), em que o escritor Alberto Mussa reconstitui mitos tupinambás para "incorporar a epopeia tupinambá à nossa cultura literária". O livro não é considerado antropológico, por sua liberdade criativa, mas causa desconfiança nos estudos literários. Em tese defendida neste ano sobre sua obra, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a obra provocou controvérsia.
"O orientador disse que era um estudo da área de antropologia. Mas ele está certo, desde que tenha considerado o critério de ficção. Como não é ficção do autor, ele preferiu excluir o livro de uma dissertação sobre a obra ficcional. Eu só não concordaria se ele tivesse dito que narrativa mítica não é literatura", diz Mussa, para quem a narrativa tupinambá, no entanto, como defende no livro, deveria "figurar em todos os cânones da literatura brasileira, fosse qual fosse a definição desse conceito".

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terça-feira, 6 de novembro de 2012

[Povos Indígenas] Vergonha Nacional



Texto e imagem: Egon Heck e Laila Menezes (CIMI e ADITAL)


“Concedo o efeito suspensivo ao agravo de instrumento, para determinar a mantença dos silvícolas da comunidade de Pyelito Kuê exclusivamente no espaço de 1 (um) hectare, ou seja, 10 mil metros quadrados, até o término dos trabalhos que compreendem a delimitação e demarcação das terras na região...". (Decisão da 3ª Região da Justiça Federal, São Paulo, 30 de outubro de 2012)
Portanto, fica decretado a manutenção de uma família da Fazenda Cambará em 761 hectares, enquanto duas comunidades indígenas,com mais de 200 pessoas, são confinadas em 1 (um) hectare.
Um minuto de silêncio. Senadores, deputados, lideranças Kaiowá Guarani, repórteres, representantes de órgãos do governo e do Ministério Público, aliados da causa, em pé, homenageiam a memória dos professores Genivaldo e Rolindo, que há exatos três anos foram cruelmente assassinados quando retornaram à sua terra, tekoha Ypo'i, município de Paranhos, no Mato Grosso do Sul. Até hoje o corpo de Rolindo não foi localizado e nenhum dos assassinos punidos. Aplausos. Os lutadores indígenas tem sua memória reverenciada, apesar de sua luta pela terra continuar emperrada, na malvadeza e burocracias do poder.
Na parede fria de um dos auditórios do Senado, onde se realizava uma audiência pública sobre a questão Kaiowá Guarani, estavam projetadas as imagens do corpo do professor Genivaldo Vera, boiando nas águas do rio ypo'i, o "sorriso matado", do cacique Nisio Gomes, a líder Damiana junto a seus barracos queimados, à beira da estrada, lembrando seu marido e três filhos mortos por atropelamento, ...outro membro da comunidade de Apika'y espancado por ocasião da expulsão de sua terra...Um quadro tétrico, retrato da "barbárie civilizada"(!), ou genocídio do século XXI como muitos tem visto a violência contra os Guarani Kaiowá.

Como podemos ficar felizes?
No décimo andar de um belo edifício em Brasília, um anúncio eufórico de uma "vitória". Os índios de Pyelito Kuê não serão despejados. A liminar acaba de ser caçada na 3ª Vara da Justiça Federal, em São Paulo. O ministro da Justiça José Eduardo Martins
Cardoso leu pausadamente a decisão. "por tudo quanto foi exposto, a melhor solução é circunscrever a permanência dos índios num espaço de 1 (um) hectare, ou seja, 10 mil metros quadrados, até o término do procedimento administrativo de delimitação e demarcação das terras na região" e a sabia e douta decisão continua "os índios devem ficar exatamente onde estão agrupados, com a ressalva de que não podem estender o espaço a eles reservado em nenhuma hipótese". O cantador popular concluiria "é a parte que lhes cabe neste latifúndio!!!". Dia 30 outubro de 2012. Século 21. A justiça decide reeditar os "confinamentos" ou "campos de concentração", conforme manifestação de lideranças indígenas, parlamentares e representantes dos movimentos sociais. A deputada Érica Kokai afirmou que "Confinamento é genocídio" e que é esse o processo em curso no Mato Grosso do Sul. A deputada Janete Capibaribe afirmou que a realidade dos Kaiowá Guarani envergonha a sociedade e nação brasileira. Nesse mesmo tom o Deputado Pe. Tom, presidente da Frente Parlamentar Indígena, afirma que o que acontece com os Kaiowá Guarani se assemelha ao que se passou com os judeus no tempo do nazismo.
As lideranças Guarani, dentre os quais o cacique Lide Lopes de Pyelito Kuê, Otoniel Ricarte, Eliseu Lopes, dentre outros, manifestaram em diversas oportunidades, nesta semana, sua contrariedade com a decisão judicial. "Ficamos meio felizes, porque a comunidade não vai ser expulsa, mas ficamos por inteiro envergonhados, porque nos fecharam dentro de um hectare". Lindomar Terena disse considerar um absurdo deixar os índios dentre de um "chiqueirinho".
Até o linguajar "mantença e silvícolas", nos remete a séculos passados. Não serão necessários grandes esforços para imaginar o drama de sobrevivência dessa comunidade, até que o governo conclua o trabalho de identificação e demarcação das terras na região. Quantos anos de tortura e sofrimento estarão contidos nessa decisão? Quantos meses, anos ou décadas ainda se arrastarão os infindáveis processos de regularização das terras indígenas na região?



Semana Kaiowá Guarani em Brasília

 Lideranças expressivas do povo Kaiowá Guarani e Terena do Mato Grosso do Sul, tiveram uma intensa agenda de debates, visitas a autoridades dos três poderes, conversas com Ministros e parlamentares, manifestações públicas e contatos com a imprensa nacional e internacional.
No Ministério Público Federal, ouviram das Procuradoras Débora Duprat e Raquel Dodge a promessa de atitudes enérgicas de cobrança, inclusive judicial, das responsabilidades do governo federal com relação ao não cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta-TAC, no qual todos os relatórios de identificação das terras Kaiowá-Guarani deveria ter sido publicados até 30 de junho de 2009.
Do ministro da Justiça ouviram os encaminhamentos do governo, para evitar a expulsão da comunidade de Pyelito Kue, aumento da força nacional e polícia federal na região e de que dentro de 30 dias estaria sendo publicado o relatório circunstanciado dessa terra indígena, pela Funai. Disse ainda que "a presidente Dilma quer que se cumpra a Constituição".
O Conselheiro do CDDPH, Eugenio Aragão, que coordena o grupo especial Kaiowá-Guarani criada no âmbito desse órgão, lamentou que o governo só age e se movimenta quando acontecem catástrofes, quando se está à beira do abismo. Cobrou energicamente uma revisão dos métodos de atuação com relação à demarcação e garanti das terras indígenas e ação urgente para pagar a dívida histórica para com esse povo. Salientou a importância da participação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que criou uma comissão especial com propósito de agilizar a demarcação das terras Kaiowá-Guarani.

   O Procurador Marco Antonio Delfino, do Ministério Público de Dourados, acompanhou a intensa maratona de atividades, dentre as quais a conversa com vários ministros do Supremo Tribunal Federal. Insistiu na inadiável ação do governo no sentido de começar a encontrar caminhos para resolver a gravíssima situação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Externou os dados que revelam essa situação insustentável, dentre os quais o fato de que os últimos dez anos os Kaiowá Guarani conseguiram efetivamente apenas dois mil hectares, e de que as terras ocupadas por esse povo representam apenas 0,1% do território do Estado.
O secretário do Cimi, Cleber Buzatto, em vários momentos chamou atenção para a morosidade e omissão do governo, enquanto nos três poderes avançam iniciativas que visam tirar direitos constitucionais dos povos indígenas e agravar ainda mais a situação de violência. Falou da importância das iniciativas de ampla divulgação, especialmente nas redes sociais, da realidade indígena, para que desse processo de comoção nacional emergem ações e pressão pelo respeito aos direitos dos povos indígenas e a imediata regularização das terras indígenas.
Tiveram reuniões de definição de ações estratégicas na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB, na Funai e outros órgãos e entidades. Levam em suas bagagens de retorno às aldeias a certeza de que a luta por seus direitos avançou, mas que devem se intensificar as alianças e solidariedade em nível mundial e as lutas de retorno às suas terras tradicionais, como afirmou Eliseu Lopes "Estamos cansados de bonitos discursos e promessas. Vamos continuar nossas ações de retomar nossas terras".
Povo Guarani Grande Povo, Cimi 40 anos, 2 de novembro de 2012.