1993: Ano Internacional dos Povos Indígenas do Mundo

1995 / 2004: Primeira Década Internacional dos Povos Indígenas

2005 / 2014: Segunda Década Internacional dos Povos Indígenas

2019: Ano Internacional das Línguas Indígenas

2020: Ano Internacional da Saúde Vegetal


sábado, 14 de novembro de 2020

Aviso importante

 Estimados e Estimadas seguidores/as

Comunicamos a migração deste Blog para outra plataforma.  Desde já, agradecemos pelo acolhemimento ao longo de quase 15 anos, que tivemos junto ao Blogger.  A equipe dos Blogs "Art'palavra" e "Tecido de vozes" deseja saúde e paz, esperando encontrar a todos/as em <gracagrauna.com>, no Wordpress.


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Elicura, poeta mapuche: Prêmio Nacional de Literatura 2020

Elicura, poeta mapuche: Prêmio Nacional de Literatura 2020

 

 

Elicura Chihuailaf

(Crédito da foto: Graça Graúna)

 

Em meio a tantas notícias ruins que correm pelo mundo, sobretudo nesse tempo de pandemia; algo de muito positivo aconteceu no início de setembro de 2020. Até me atrevo a dizer, com licença poética, que o céu pareceu mais azul; um sonho azul com aroma primaveril e que nos leva à poesia mapuche.

Sim, um sonho azul do poeta Elicura Chihuailaf, o primeiro indígena mapuche vencedor do Prêmio Nacional de Literatura do Chile. Os jornais de vários países destacam a tradição oral e o universo poético e a cultura do povo mapuche que habitam nos livros de Elicura.

Em 2014, o III Caxiri na Cuia, isto é, um encontro de escritores e artistas indígenas coordenado por Daniel Munduruku e promovido pela Universidade de São Carlos (Ufscar), contou com a participação de Elicura, do escritor canadense Cash Ahenakew e de vários escritores e intelectuais e indígenas brasileiros. Esse evento realizou-se na Universdade de São Paulo (USP), onde foi lançado o livro “Sonho azul” de Elicura; numa edição alternativa compartilhada com os parentes indígenas que participaran do referido evento.  


Edição alternativa do livro "Sonho azul"


Esse livro foi traduzido em português por Patrícia de Moura Leite, e encadernado em folhas de papel sulfite azul, junto ao Grupo de Pesquisa LEETRA, da Universidade de São Carlos (Ufscar). O título do livro do parente mapuche é também o nome do poema (Sonho azul), do qual apresentamos o fragmento que seque:

 

A casa Azul em que nasci está

situada em uma colina

rodeada de hualles*, um salgueiro

nogueiras, castanheiras

um aroma primaveril no inverno

_ um sol com a doçura do mel  de ulmos _

chilcos rodeados a sua vez de beija-flores

que não sabíamos se eram reais

ou visões: Tão efêmeros!

No inverno sentimos cair os carvalhos

partidos pelos raios

Nos entardeceres saímos, abaixo de chuva

ou ao redor, a buscar as ovelhas

(às vezes tivemos que chorar

a morte de algumas delas

navegando sobre águas)

 

Pela noite ouvimos os cantos

contos e adivinhanças

à beira do fogão

respirando o aroma do pão

modelado pela minha avó

minha mãe e tia Maria

enquanto meu pai e meu avô

_ Lonko/Chefe da comunidade_

observavam com atenção e respeito.



 *hualles, aroma, chilcos: árvores



Acerca da premiação de Elicura, cabe sublinhar as palavras de Consuelo Valdés, Ministra da Cultura do Chile. Conforme o Correio Popular (https://correio.rac.com.br/), a Ministra Valdés ao anunciar o prêmio enfatizou a capacidade do poeta mapuche:

 

[por] instalar a tradição oral de seu povo em uma escrita poderosa que transcende a escrita mapuche [...] valendo-se de uma expressão muito própria, ele tem contribuído de forma determinada para difundir seu universo poético pelo mundo, ampliando a voz de seus ancestrais da contemporaneidade

 

 

Segundo o Correio Popular (https://correio.rac.com.br/ ), o poeta Elicura faz parte do grupo de escritores que surgiu após o golpe de Augusto Pinochet em 1973, uma geração marcada pelo exílio.

Os noticiários mostram que os textos de Elicura são originalmente redigidos em castelhano e mapudungun (língua mapuche), e traduzidos para dezenas de línguas, nos quais também se destaca o apelo à conversa como única forma de entendimento com os povos indígenas.


Escritores indígenas
No sentido horário:  Edson Krenak, Cash Ahenakew, Elicura e Graça Graúna
(Acervo de Graça Graúna)


A poética de Elicura denuncia a sua condição de indígena exilado. Na entrevista ao site "Crítica.Cl", o parente mapuche comenta que apesar do deslocamento, a poesia revela que a cada dia ele “aprende a apreciar o que significa habitar no meio de uma diversidade tanto na natureza quanto entre os homens”.

 

Ameríndia, 10 de setembro de 2020

Graça Graúna

(mulher indígena potiguara/RN)

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Poesia indígena hoje: resiliência

 

Crédito: p-o-e-s-i-a.org

A Revista p-o-e-s-i-a (n. 1, agosto de 2020), com o tema “Poesia indígena hoje”, conta com a participação voluntária de poetas dos povos originários no Brasil. No editorial, Beatriz Azevedo ressalta que por se tratar de uma primeira edição, a Revista traz um olhar amplo sobre a poesia escrita por autoras e autores indígenas contemporâneos, que escrevem em português e expressam acerca da “sua cultura e o choque com a sociedade brasileira”.

 

Na apresentação da Revista, Julie Dorrico (makuxi) comenta, entre outros aspectos, que a literatura “na voz e letra dos sujeitos e povos indígenas, emerge do rio, irrompe da floresta para se fazer livro, livre [...] para, enfim, ser o que sempre foi, autoral”. A poeta homenageada é a potiguara Eliane. Sobre a literatura indígena, ela enfatiza que: “do estágio oral ela [a literatura] saltita pelas letras escritas na estratégia da vivificação das histórias de vida dos ancestrais, clama por sobrevivência e justiça dos direitos autorais” (P-O-E-S-I-A, n.1, 2020, p. 26).

 

O conjunto de ensaios intitulado “Sementes” conta com a participação de Daniel Munduruku, Fernanda Vieira (xocó/SE), Geni Ñunez (guarani), Jaider Esbell (makuxi), Kaka Werá (Tapuia) e Maria Elis Nunc-Nfôonro (xokleng). Entre os ensaios, tomo a liberdade de sublinhar o pensamento de Fernanda Vieira (P-O-E-S-I-A, n.1, 2020, p. 67), ao expor corajosamente o sentimento que muitos/as indígenas ao viver na cidade, também sentem:

 

A literatura me salvou do abismo silencioso da minha identidade interrompida, das muitas dificuldades de uma infância suburbana, da raiva que fervilha no meu sujeito subalternizado imerso na colonialidade, salvou da minha impossibilidade de dividir minhas angústias com os que me cercavam. Muitas rupturas na minha identidade – em permanente re(des)construção – foram preenchidas pela literatura.

 

O grupo de poetas/poemas recebe o nome de “Cardumes poéticos” e conta com a participação de: Ailton Krenak, Aline Pachamama (puri), Auritha Tabajara, Ãtekáy (pataxó), Eliane Potiguara, Edson Krenak, Graça Graúna (potiguara/RN), Gustavo Caboco (wapichana), Ian Wapichana, Itayná Ranny Tuxá, Jamile Nunes (parintintim), Juliana Kerexu (guarani), Julie Dorrico (makuxi), Marcia Mura, Marcia Kambeba, Olivio Jecupé (guarani), Renata Machado (Tupinambá), Tiago Hakiy (mawé), Yaguaré Yamã (sateré-mawé) e Zélia Balbina (puri).

A minha intuição diz que o fazer parte de um cardume poético implica um estágio de resiliência, pois não está fácil e nunca foi fácil atravessar os tempos sombrios. Mas a poesia vence o tempo, ainda que os fantasmas não nos deixem dormir, como sugere o ser poeta-xamã em “Suspiro de Gaia”, de Ailton Krenak (P-O-E-S-I-A, n.1, 2020, p. 83):

 

Está difícil dormir com tanto fantasma

ao redor

Corpos abandonados em pavilhões

Espíritos de luz projetam raios paralisantes.

A Terra balança levemente os cabelos

devolve no cosmos fagulhas de estrelas

 

 

Ameríndia, 5 de setembro de 2020

Graça Graúna

(mulher indígena potiguara/RN)

 

 

Para saber mais:

 

P-O-E-S-I-A é um projeto colaborativo de poetas, leitores, professores e apoiadores da cultura para o fortalecimento da poesia brasileira. 

Através de um financiamento coletivo, o projeto já está realizando algumas ações, como a concessão de bolsas para poetas em situação de vulnerabilidade e a criação do portal da poesia brasileira que abriga a revista P-O-E-S-I-A.

A viabilidade e manutenção dessas e outras ações depende diretamente do valor arrecadado.  

Colabore e incentive outras pessoas a contribuírem:

https://benfeitoria.com/poesia

Acesse, compartilhe.
https://www.instagram.com/p_o_e_s_i_a_.o_r_g/
https://www.facebook.com/poesia.org/

http://www.p-o-e-s-i-a.org/

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Pedro Casaldáliga descansa onde sonhou...

Pedro descansa onde ele sonhou, na beira do Araguaia, entre um peão e uma prostituta

Foto: Raul Vico


13 Agosto 2020


Fonte: www.ihu.unisinos.br


Descansar eternamente em meio àqueles que marcaram sua vida, os que não contam, os que o mundo colocou do lado de fora da história. O desejo de Pedro foi cumprido, ele descansa no cemitério dos Karajás, na beira do Araguaia, que regou sua vida por mais de 50 anos, lá onde eram sepultados os sem nome, lá onde ele sempre sonhou em ficar para sempre, no meio de um peão e uma prostituta.

 

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

 

Pedro sempre foi um homem cheio de sonhos, “o sonho de Deus, foi o sonho de Pedro também, o sonho do Reino”, como afirmava Dom Adriano Ciocca, bispo de São Félix do Araguaia, na missa exequial celebrada neste 12 de agosto no Centro de Pastoral Tia IrenePedro vai ficar no meio daqueles que foram parte fundamental da sua vida, pois “ele queria justiça, queria fartura, queria alegria, vida plena para todos e para todas. Não importa a raça, não importa o sexo, não importa a cultura, não importa nem a religião”, insistia o bispo.

Ao falar desses sonhos de PedroDom Adriano, afirmava que “ele sonhou, e sonhou com os pés no chão, porque não só ficou no sonho, mas ele procurou viver e lutar para que esse sonho se realizasse. O banquete do Reino tem que começar aqui na terra e nós somos responsáveis para que a alegria da partilha, a plenitude da fraternidade tenha pelos menos alguns sinais entre nós”. Esse sonho, presente na vida de Pedro, o tornou realidade. Para que acontecesse esse sonho, “Pedro decidiu seguir Jesus, seu Mestre, na radicalidade, na fidelidade que todos nós conhecemos”, segundo o atual bispo de São Félix, que destacava em Casaldáliga sua disposição para se colocar no no último lugar, Pedro “se fez peão com os peões, se fez índio com os índios, se fez solidário com quem Deus se solidarizou, os abandonados, os excluídos, os escravos”.

Uma postura de vida radical, assim é como Dom Adriano Ciocca definia Dom Pedro, como aquele “que serviu de exemplo e continua servindo de exemplo para nós”. Ele é visto pelo bispo como “uma semente plantada na beira do Rio Araguaia, uma semente que deve crescer, e deve produzir muitos frutos”. Seguindo seu exemplo, Dom Adriano lançava o desafio de “que cabe a nós fazer que aquilo que semeou, aquilo que Pedro acreditou, o modo como ele viveu o Evangelho, nessa dedicação e serviço total, de encarnação plena, possa ser um dos sinais, possa ser a marca registrada e continue definindo nossa Igreja de São Félix do Araguaia, nossa Prelazia”.

Mas o exemplo de Pedro tem que se fazer presente na vida do povo, “tem que ser a marca de vida que nós devemos levar, tem que ser essa força de transformação, tem que ser essa força que vai fazer brotar frutos de justiça, frutos de vida, frutos de amor”, insistia Dom Adriano, que via como caminho para que a vida de Pedro possa marcar nossa vida, retomar, meditar seus versos, fazer que eles se tornem parte concreta de nossa existência. O desafio é que “essa luz possa continuar iluminando para que o sonho do grande banquete da vida seja visibilizado, apesar de todos os entraves que nós conhecemos e que estamos vivendo neste tempo”, afirmava o bispo, que agradecia Dom Pedro pelo seu exemplo, sua fidelidade a Cristo.

Aquele que nunca mais voltou na Catalunha que o viu nascer, nunca esqueceu o que suas origens representavam em sua vida. Aquele Pere que sendo criança corria nas ruas de Balsareny quis que essa terra que pisou se misture com a terra do Araguaia para sempre, algo que foi realizado quando foi colocada a terra de Balsareny no seu caixão junto com um pedra do Mosteiro de Montserrat, referência de fé na vida de todo catalão.

A despedida de Pedro foi momento de homenagens, de celebração esperançada. Foram muitos, gente conhecida, mas também o povo anônimo, que quis fazer sua homenagem. Sirvam de exemplo as palavras que desde Manaus enviava o sucessor de Dom Pedro como bispo de São FélixDom Leonardo Ulrich Steiner, que definiu seu predecessor como um místico, “enraizado na terra, na humanidade e em Deus”, alguém livre, ousado, inspirado, de vida simples e despojada, que percorreu as veredas do Evangelho dos pobres, uma prova daquilo que o primeiro bispo de São Félix transmitia com sua vida. Por tudo isso, o arcebispo de Manaus mostrava sua gratidão profunda a Deus e a Pedro, por tudo o que viveu no Vale dos Esquecidos, mas sobretudo pelos pequenos detalhes da convivência.


 

Foto: Luis Miguel Modino

 

Adolfo Pérez Esquivel, que sempre viu Pedro como um sinal de justiça e de paz, também enviava sua mensagem ao amigo. Foram homenagens e palavras de agradecimento que foram repartidas pelos presentes, pelos bispos, pelo povo, também pelos indígenas do povo xavante, que o homenageavam com reverência e admiração, reconhecendo a importância que as lutas de Pedro, um valente guerreiro, tiveram para que hoje, mesmo diante das dificuldades e perseguições, eles continuem vivos, sem perder a esperança.

Pedro está ressuscitado, contemplando o Araguaia desde sua beira, lá onde ele sentava para rezar, para contemplar a obra do Deus Criador, para inspirar sua mente que se traduzia em poesia, em Evangelho encarnado na vida de um povo e uma terra que nunca irão esquecer seu profeta, seu poeta.

domingo, 9 de agosto de 2020

Dia Internacional dos Povos Indígenas

 

Credito da foto: Graça Graúna


DECLARAÇAO SOLENE DOS POVOS INDÍGENAS DO MUNDO 

 

Nós, povos indígenas do mundo, unidos

numa grande assembleia de homens sábios,

declaramos a todas as nações:

Quando a terra-mãe era o nosso alimento,

quando a noite escura formava o nosso teto,

quando o céu e a lua eram nossos pais,

quando todos éramos irmãos e irmãs,

quando nossos caciques e anciãos

eram grandes líderes,

quando a justiça dirigia a lei e sua execução,

aí outras civilizações chegaram!

Com fome de sangue, de ouro,

de terra e de todas as suas riquezas,

trazendo numa mão a cruz

e na outra a espada.

Sem conhecer ou querer aprender

os costumes de nossos povos,

nos classificaram abaixo dos animais.

Roubaram nossas terras e nos levaram

para longe delas, transformando em escravos

os “Filhos do Sol”.

Entretanto, não puderam nos eliminar,

nem nos fazer esquecer o que somos,

porque somos a cultura da terra e do céu

porque somos de uma ascendência milenar

E somos milhões.

E mesmo que nosso universo seja destruído,

NÓS VIVEREMOS,

por mais tempo que o império da morte!

 

(Conselho Mundial dos Povos Indígenas, Port Alberni, 1975)

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Em memória de Aritana


                                                      Aritana Yawalapiti — Foto: Antônio Carlos Banavita


"Quando morre um cacique, a comunidade perde um líder. Quando morre um mestre e um ancião, é um livro cheio de informações que se fecha para sempre". 

Patxon Metuktire (neto do Cacique Raoni Metuktire)


Nota: 

Aritana Yawalapiti, de 71 anos,

morreu vítima da Covid-19,  em Goiânia, no dia 05/08/2020

sábado, 1 de agosto de 2020

Dia de Pachamama Mama (Mãe Terra)


Imagem: http://sagrado-feminino.blogspot.com



Fonte do texto: https://www.lanacion.com.ar

 

 

Como cada 1 de agosto, hoy se celebra el Día de la Pachamama o Madre Tierra, la celebración más importante dentro de los pueblos originarios de América Latina. La "pacha" representa una deidad femenina que produce, engendra y también se encarga de propiciar la fertilidad en los campos.

En esta celebración, que se extiende a todo el mes de agosto, se realizan una serie de ofrendas y rituales para festejar la naturaleza protectora y fecunda de la tierra, que varían según la región.

Para completar la ceremonia, que siempre está a cargo de las personas mayores de las comunidades, los presentes se toman de la mano para expresar el espíritu de hermandad que reina, y danzan alrededor del hoyo ya tapado, al son de la caja, flauta y la copla.

Diferentes pueblos como los quechuas, aimaras, mapuches y otros en Argentina, Bolivia, Chile, Colombia, Ecuador y principalmente en Perú han realizado y realizan rituales vinculados a esta deidad.

Otra de las tradiciones es tomar caña con ruda. Los mayores juran que la caña con ruda prolonga la vida, espantan la mala suerte, promueven alegrías y despojan a la gente de los malos augurios. Es una mezcla de caña blanca paraguaya o ginebra con hojas de ruda, una hierba calificada como medicinal por sus excelentes efectos en el aparato digestivo y también en el circulatorio.


sexta-feira, 31 de julho de 2020

Covid-19 e indígenas: os desafios no combate ao novo coronavírus

Morador da terra indígena Xakriabá, em São João das Missões (MG), 
que reúne cerca de 9 mil indígenas distribuídos em 38 aldeias. 
Imagem: Edgar Kanaykõ Xakriabá Etnofotografia | antropologia



Fonte: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/


Com 305 povos e 274 línguas diferentes, a população indígena brasileira vive realidades diversas que envolvem desde grupos isolados até os que residem em áreas urbanas. A memória histórica de epidemias que chegaram a dizimar aldeias inteiras, no entanto, permanece um elemento comum que o vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, tem reavivado, nos últimos meses. Com maior vulnerabilidade a doenças infectocontagiosas e dependentes de um subsistema médico que apresenta problemas de articulação com as secretarias estaduais e municipais da Saúde, moradores de territórios indígenas receiam um novo genocídio.

 

Na terra dos yanomamis, em uma região dominada pelo garimpo, ocorreu a primeira morte por covid-19 notificada pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), em 10 de abril: um jovem de 15 anos que estava fazendo tratamento contra malária. "Mais de 20 mil garimpeiros estão instalados ilegalmente em território yanomami. No passado recente, esse tipo de invasão propagou grandes surtos epidêmicos", informa Tiago Moreira, antropólogo e pesquisador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA) e coordenador da plataforma covid-19 e os Povos Indígenas, que acompanha diariamente o avanço dos casos em áreas rurais, com base em boletins das secretarias estaduais e municipais da Saúde. Até 22 de abril, foram confirmados 42 casos de covid-19 entre indígenas que vivem em territórios assistidos pela Sesai.

 

"Limitações na disponibilidade de territórios tradicionais para manutenção dos modos de vida indígena, de acesso a saneamento básico, bem como infecções recorrentes, desnutrição e anemia e emergência de doenças crônicas tornam as populações indígenas um grupo ainda mais vulnerável à epidemia atual", analisa o médico especialista em epidemiologia e saúde de populações indígenas Andrey Moreira Cardoso, do Departamento de Endemias da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Pesquisador de doenças respiratórias em populações indígenas, Cardoso realizou estudo sobre um surto de gripe influenza A (H1N1) que durou 16 dias, entre março e abril de 2016, em uma aldeia guarani de Paraty Mirim, no Rio de Janeiro.

 

Os resultados foram publicados em 2019, na revista PLOS ONE. No artigo, em conjunto com pesquisadores de instituições do Rio de Janeiro e britânicas, ele analisou o desenvolvimento da doença em 73 dos 170 indígenas da aldeia, que foram afetados. "Mais de 30 pessoas foram contaminadas em apenas um dia, levando a um aumento repentino da curva de casos. O surto afetou principalmente crianças com menos de 5 anos, que responderam por 32,9% dos casos, mesmo representando apenas 17,6% da população", informa. Entre os casos de maior gravidade, elas também foram maioria. De acordo com Cardoso, apenas dois dos 15 casos graves ocorreram em indivíduos com mais de 5 anos de idade. O artigo indica ainda que a incidência da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) na aldeia foi 4,5 vezes maior do que o verificado entre a população brasileira durante o surto de influenza, em 2009. "O vírus que circulou em 2016 chegou antes do que se esperava na aldeia e tinha sofrido mutações em relação à vacina contra a gripe do ano anterior, o que também colaborou para agravar o quadro entre os Guaranis", justifica.

 

Ao traçar um paralelo com a realidade atual, Cardoso avalia que as condições sanitárias de populações indígenas em áreas rurais de todo o país não mudaram e que todas são suscetíveis ao Sars-CoV-2. Por essa razão, analisa o pesquisador, o novo vírus tende a causar danos similares ou piores. "Ainda não sabemos se a pandemia vai se comportar como a influenza, afetando principalmente crianças, que apresentam fatores de risco relacionados com deficiências no estado nutricional e exposição à poluição, se seguirá o padrão identificado em países da Europa, atingindo de forma mais severa pessoas idosas, ou se acometerá fatalmente os dois grupos", diz o epidemiologista.

 

Por causa do perfil epidemiológico das populações nativas, o médico sanitarista Douglas Rodrigues, chefe da Unidade de Saúde e Meio Ambiente do Departamento de Medicina Preventiva da EPM-Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo), defende que elas sejam incluídas entre os grupos de risco na pandemia atual, ao lado dos imunodeprimidos, portadores de doenças crônicas e idosos. "As populações indígenas apresentam vulnerabilidades nos dois polos, ou seja, prevalência alta de doenças infectocontagiosas e também de problemas crônicos, como diabetes e hipertensão, além de índices elevados de obesidade e desnutrição", alerta Rodrigues.

 

Evidências dessas vulnerabilidades foram identificadas há pelo menos uma década, por meio do primeiro Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, realizado entre 2008 e 2009, sob a coordenação da Fiocruz. Publicado em 2019 nos Cadernos de Saúde Pública, o artigo "Iniquidades étnico-raciais nas hospitalizações por causas evitáveis em menores de cinco anos no Brasil (2009-2014)" mostra que a taxa de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária em crianças indígenas superou em cinco vezes a taxa observada entre crianças brancas. Quando comparados às demais categorias de cor e raça, os indígenas apresentaram condições mais desfavoráveis, com níveis elevados de hospitalização por pneumonia e diarreia, além de outras doenças infecciosas e parasitárias, em todas as regiões do país. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, as taxas ajustadas de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária em crianças indígenas foram 5 e 18 vezes as taxas correspondentes em crianças brancas, respectivamente.

 

Outra fragilidade diz respeito aos problemas ambientais nos territórios, que impedem algumas comunidades de permanecer isoladas das cidades em que há casos confirmados da doença. "Quarenta por cento da população indígena do país vive em aldeias de regiões que tiveram a natureza devastada. Com isso, atividades de caça, pesca e coleta de alimentos tornaram-se impraticáveis. Os índios são dependentes das cidades", diz Rodrigues, da Unifesp. De acordo com ele, embora em aldeias como as do Parque do Xingu, no Centro-Oeste do país, também sejam consumidos produtos industrializados, os índios têm mais condições de se isolar, por causa do meio ambiente preservado. "As políticas de saúde para combater o coronavírus entre os povos precisam ser distintas. Comunidades que conseguem subsistir com atividades de caça, pesca e coleta devem permanecer isoladas. Já outras que dependem das cidades para obter alimentos necessitam ser abastecidas, evitando o deslocamento de indígenas dos territórios", propõe.

 

O antropólogo Gersem dos Santos Luciano, do Departamento de Educação Escolar Indígena da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), lembra que historicamente as epidemias foram responsáveis por causar reduções drásticas de populações indígenas no Brasil. "Gripes simples quase dizimaram aldeias inteiras", conta. Uma delas, por exemplo, deixou a população Kaingang, que vivia em territórios no estado de São Paulo, à beira da extinção, logo após os primeiros contatos com brancos, entre 1912 e 1913, conforme dados do ISA. Do povo Baniwa e nascido na aldeia yaquirana, no Alto Rio Negro, no Amazonas, Luciano explica que contribui para isso o fato de os povos indígenas viverem em casas comunitárias. "No caso dos Xaponos ou dos Yanomamis, por exemplo, uma mesma habitação, chamada de maloca toototobi, chega a abrigar 300 pessoas simultaneamente. Como o vírus Sars-CoV-2 tem poder de transmissão maior do que o causador da gripe comum, ele pode ser potencialmente mais perigoso nesses contextos", destaca.

 

Articulação em xeque

 

Com 20 anos completados em 2019, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas é coordenada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, e atende a uma população de 800 mil indivíduos, espalhados por 34 dos chamados distritos sanitários especiais indígenas. Em 2018, a pesquisadora Ana Lucia Pontes, do Departamento de Endemias da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, iniciou investigação para realizar um balanço da trajetória da participação indígena na formulação da atual política de saúde indígena.

 

Segundo ela, o processo teve início com a primeira Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio, realizada em 1986, em que se discutiu como as políticas nacionais poderiam responder às necessidades de saúde, contemplar os modos de vida e as perspectivas indígenas no âmbito da reforma sanitária brasileira. Os debates aconteceram em direção oposta à lógica do projeto desenvolvimentista da ditadura militar (1964-1985), que envolvia a construção de hidrelétricas e estradas em territórios indígenas, e resultaram na chegada de epidemias fatais. Durante a construção da Perimetral Norte, que cruza os estados do Amazonas, Pará, Amapá e Roraima, entre 1974 e 1975, por exemplo, doenças infeciosas mataram 22% da população de quatro aldeias, conforme dados do ISA. Dois anos mais tarde, uma epidemia de sarampo matou metade da população de outras quatro comunidades indígenas.

 

"Desde a Constituição Federal de 1988, os povos indígenas passaram a ser entendidos como sujeitos de direitos e esse entendimento abriu caminho para que, anos mais tarde, se criasse uma política de saúde específica, que contempla suas particularidades de ocupação territorial, sua organização social, seus modos de vida e conhecimentos tradicionais", afirma. Segundo Pontes, antes da década de 1990, as políticas nacionais de saúde para a população indígena eram implementadas sem considerar seus modos de vida, defendendo que eles deveriam ser assimilados e integrados ao padrão nacional de atendimento.

 

O diálogo com conhecimentos tradicionais é um dos eixos centrais do Projeto Xingu, programa de extensão universitária da EPM-Unifesp que desenvolve ações no distrito sanitário do Parque Indígena do Xingu desde 1965. Coordenadora do projeto, a médica sanitarista Sofia Mendonça explica que desde a década de 1980 o sistema local de saúde vem sendo desenhado com a participação de lideranças indígenas. Artigo publicado em 2019 nos Cadernos de Saúde Pública mostra que a formação de agentes indígenas de saúde e auxiliares de enfermagem indígenas foi crucial para o desenvolvimento de campanhas preventivas e ações de diagnóstico precoce que resultaram em melhores estratégias para combater, por exemplo, doenças respiratórias e diarreia.

 

Apesar das melhorias, Mendonça observa que um dos gargalos que afetará o combate à Covid-19 diz respeito à atenção primária oferecida nas aldeias e sua articulação com as secretarias da Saúde estaduais e municipais. "Os distritos sanitários indígenas nem sempre são contabilizados nos planos de contingência de estados e municípios", reforça Pontes, da Fiocruz. Ela lembra ainda que a maioria das cidades próximas a territórios indígenas na Amazônia não dispõe de hospitais com Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), tornando compulsório o deslocamento para Manaus, para o tratamento de casos graves. A capital do Amazonas concentrava até 17 de abril cerca de mil casos dos 1,2 mil de todo o estado, embora tenha apenas cerca de 500 leitos de UTI, conforme dados de 2018 do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

Em 13 de abril, um mês depois de confirmado o primeiro caso no estado, o sistema de saúde de Manaus entrou em colapso. "A pandemia da Covid-19 vai testar a articulação do sistema de saúde indígena em todos os níveis", prevê Mendonça, do Projeto Xingu. "Muitos povos indígenas, por exemplo, usam o tabaco em rituais e festas. Além disso, já passaram por diversos episódios de gripes e infecções. Se a doença atingir de forma severa pessoas mais velhas, que detêm o conhecimento tradicional sobre as práticas de reza e cura, pode gerar uma imensa redução da população e desorganização social", enfatiza.

 

Protagonismo nos territórios

 

Com familiares vivendo em São Gabriel da Cachoeira, cidade com a maior população indígena do Brasil, Luciano, da Ufam, explica que o município de 40 mil habitantes é referência para diferentes comunidades indígenas. Quando a pandemia começou a se agravar no Brasil, no começo de março, aldeias da região proibiram a entrada de estranhos e o tráfego fluvial e terrestre na cidade foi reduzido drasticamente. "Há uma grande mobilização protagonizada pela comunidade indígena", informa.

 

Essas medidas envolvem a capacitação de lideranças para orientar as populações das aldeias a permanecer nos territórios, o treinamento de índios para que reconheçam os sintomas da doença e tomem precauções de isolamento, quando houver suspeita de contaminação. Além disso, organizações indígenas e o ISA têm traduzido e adaptado material educativo e de campanhas de prevenção para os diferentes contextos culturais e linguísticos. "Não podemos pedir para as pessoas se isolarem em suas casas, por causa do contexto coletivo das aldeias, mas estamos orientando que permaneçam em seus territórios", exemplifica Luciano. Outra adaptação envolve procedimentos de higiene. Como nem todas as aldeias têm acesso à água potável, uma das principais orientações é não reaproveitar a água.

 

A Sesai dispõe de cerca de 1,5 mil unidades básicas de saúde, voltadas à população indígena do país. Algumas delas atendem a vários territórios. Sofia Mendonça, da Unifesp, analisa que a estrutura desses locais precisa ser repensada e os casos suspeitos atendidos em espaços separados, para reduzir o risco de contaminação. "Retirar garimpeiros, grileiros, extrativistas e madeireiros de áreas invadidas representa outra medida fundamental, já que esses invasores representam grande potencial de transmissão da doença", defende a médica. Segundo dados do Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 21 terras indígenas, com registros da presença de povos isolados, estão atualmente invadidas. Segundo o Cimi, são 114 os registros de povos indígenas isolados - 28 são confirmados pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

 

Em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o ISA produziu um indicador de vulnerabilidade das Terras Indígenas para a Covid-19. O objetivo é avaliar a vulnerabilidade das populações indígenas em cada região do país, conforme critérios como perfil etário, acesso a leitos hospitalares, prevalência de doenças respiratórias e número de casos por município. Moreira explica que em populações não indígenas nesse tipo de análise são considerados critérios como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, além de indicadores de desigualdade e pobreza. Porém, para os indígenas, há questões consideradas mais apropriadas, como percentuais de desmatamento e a presença de invasores. De acordo com esses critérios, foram identificadas as 10 regiões mais vulneráveis à pandemia.

 

Um dos achados da investigação mostra que menos de 10% das cidades brasileiras com terras indígenas dispõe de leitos de UTI. "Em muitas comunidades indígenas, as populações já estão isoladas, fecharam suas fronteiras ou foram para o meio do mato. Os indígenas estão articulando sua experiência histórica de ter vivenciado outras epidemias catastróficas para tentar lidar com a ameaça atual", finaliza Moreira, do ISA.

 

Território mapeado O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) antecipou a publicação de dados sobre povos indígenas e quilombolas com o propósito de subsidiar o desenvolvimento de políticas de enfrentamento da Covid-19 entre essas populações. As informações, divulgadas em 24 de abril, integram a base territorial do próximo Censo, que foi adiado para 2021, e também contemplam informações do Censo de 2010. Naquele ano, a população indígena no Brasil era de 896.917 pessoas - 517.383 viviam em localidades indígenas. Localidade ou terra indígena é um termo genérico utilizado pelo IBGE para designar os lugares do país em que há populações nativas, sejam áreas demarcadas ou não. De acordo com os novos dados, entre 2010 e 2019 o número de localidades indígenas passou de 1.856 para 7.103. O resultado decorre de incremento da capacidade técnica do instituto em identificar essas comunidades tradicionais.

 

De acordo com os dados antecipados pelo IBGE:

·      As atuais 7.103 localidades indígenas estão distribuídas em 827 municípios. 632 delas são terras oficialmente demarcadas.

·      A região Norte concentra o maior número: 4.504 no total, seguida do Nordeste (1.211) e Centro-Oeste (713).

·      Também está na região Norte o maior número de terras oficialmente demarcadas: 305 no total. No Amazonas são 148, em Mato Grosso, 73 e no Pará, 54.

·      O estado do Amazonas reúne a maioria das localidades indígenas do país (2.602), seguido de Roraima (587) e do Pará (546).

·      São Gabriel da Cachoeira (AM) é a cidade com o maior número de localidades indígenas: 429. Em seguida estão Alto Alegre (RR), com 149, e Jacareacanga (PA), com 112.

 

Fonte: Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os Indígenas e Quilombolas/IBGE/2019.